Conheci-o no início do cruzeiro, há coisa de dois dias. Ou noites neste caso.
Deixou claro que tinha uma carência de atenção. Lacuna que preencheria com Vodka Rocks desse minuto em diante. Pouco expansivo ou sequer conversador, sempre se apresentou simpático. De sorriso pronto e o primeiro, note-se, a estender a mão já torta, tal peso têm as lições de vida.
Retribuí o aperto. "Com firmeza, há quem julgue assim o carácter de uma pessoa" diriam os meus avôs se por cá os conseguisse ouvir.
Hoje dei por ele, sozinho como de costume até agora, a sorrir e acenar descompassadamente. Ou seria a banda que não acompanhava o batuque grisalho da primeira fila?
- "Posso trazer-lhe alguma coisa para beber Mr Keith?"
A pergunta saiu-me mais automática do que deveria, tendo em atenção o caso. Defeito profissional, chamemos-lhe assim.
O arrependimento veio quando dirigiu o seu vidrado olhar na minha direcção. E me alcançou a nuca. O tipo de velocidade que não assusta, mas não é lento que baste para fugir.
- "Queres ser meu amigo?"
Ignorei o alarme que soava na minha cabeça e tentei reagir o mais simpaticamente que me foi possível...
- " Mr Keith, claro que somos amigos..."
A resposta que precisava de ouvir... resultou como que um gatilho para que o seu braço tentasse encurtar a distância que nos separava. Tentei mais uma vez não perceber a intenção por de tras desta investida. Mantive-me firme. Mas era impossível negar que a proximidade física seria no mínimo constrangedora.
Contraponho-me ao que penso não ter sido a sua total força.
Dada a nossa proximidade e o terreno que ganhou com a investida, resolvi transformar a situação num abraço. Duas palmadinhas nas costas e tento-me afastar de novo ainda com a nuca como refém.
- " Queres ser meu amigo?" - Pergunta de novo.
- "Mas já somos amigos Mr Keith..."
- " Queres vir ao meu quarto?"
Raios com as minhas tentativas de ver o mundo são. Merda com a visão de ternura estereotipada que tenho para com o sujeito que está à minha frente, com idade para ser meu avô. Lixo com a inocência que tento ver no fundo de cada situação.
Resolvi-me educadamente e não lhe disferi uma palavra mais que fosse.
Depois de ter dormido durante dois set lists da banda e do guitarrista a bordo, decidiu tentar levantar-se.
Decisão perfeita. Execução desastrosa.
Um Manager e uma cadeira de rodas depois, estou curioso para saber se aparecerá amanhã.