sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Portuguese Tracks


Nós. 


Indomáveis exploradores de oceanos. Pioneiros em rotas ditas comerciais, ainda que muitas delas tivessem fundamentos mais nobres e espirituais, mas menos convenientes a financiamentos.

Mas isso são histórias para outros blogs. 

Acontece com alguma frequência a bordo de um navio em explorações Antárticas ouvirmos referências a Portugal. Por coincidência ou não, um dos elementos da nossa equipa de expedição nasceu num berço Açoreano. John Fonseca. De cabeça rapada, barba comprida e espírito tão vivo quanto a voz que tem, não se podia parecer muito mais com a minha ideia de marinheiro quinhentista. à parte da pele bem cuidada.

A ideia de Lusos perto de latitudes tão a sul não nos assola à primeira investida. Contudo, com pouca investigação reconhecem-se as nossas cores e influência cultural em países como a Argentina ou o Chile. Recorde-se que Argentina é o país mais a sul da América e tem, em si, a cidade mais sulista do mundo. Ushuaia. Terei oportunidade de escrever sobre esta cidade muito pouco ou nada cosmopolita um pouco mais à frente. 


É também de relembrar que Fernão Magalhães, numa exploração financiada por Carlos V de Espanha para encontrar uma rota por Oeste para as Ilhas Moluccas, terá sido o primeiro navegador a encontrar e atravessar o estreito (agora com o seu nome) que ligava o Atlântico a um oceano tão calmo que baptizado foi, pelo nosso tão Português Fernão, por Pacífico. 

Acontecimentos incontornáveis e desta magnitude incham-nos o peito de orgulho e frustração. Orgulho nas pegadas que deixamos no mundo. Frustração por, em todos os manuais nos quais consegui deitar a mão, o tão nobre e ousado navegador vir descrito como "Ferdinand Magellan".

E assim se chama o estreito. 
Magellan Strait.



Abreijos.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Finally Antactic!

Aviso geral: os próximos recortes são da inteira responsabilidade do escritor. Não deverão ser assim tomados como certos. Tratam-se de apreciações e julgamentos de carácter pessoal. Mas transmissível.

Família, de sangue ou não: sei da minha ausência e do tempo que vos tenho mantido em suspense. Ou na falta de dimensão em sentimento tal tenho-vos mantido, se nada mais, desinformados.
Muito se passou nos últimos dois meses de explorações Antárticas mas pouco que se possa mostrar. É um sentimento inglório mas glorificante. E vivência é intensa e transbordante, como qualquer outro contrato no âmbito do meu ofício. Mas esta rota, tem a especial qualidade de nos manter cheios, mas com pouco que possa servir de mostra, ou prova. 

Ajuda talvez se desmistificar alguns aspetos e perguntas frequentes:

1º -  Não está assim tão frio por esta altura. Raras foram as ocasiões em que a temperatura desceu abaixo dos 0ºC durante o dia, o que é bastante suportável. Existe no entanto o  chamado “Chilling Factor” a ter em conta talvez mais aqui do que em qualquer outro lugar. Esse factor tenta equacionar a diferença entre a temperatura real, e a que nós sentimos, com base em fatores que assim o agravem como o vento e/a humidade.  É um cuidado acrescido mas que nesta temporada não foi razão de danos maiores. Um pouco mais de gelo aqui, uns quantos passageiros mais doentes, mas nada de irreparável.

2º - Não vi absolutamente nenhum Urso branco e felpudo. Esses vivem no Pólo Norte... não no sul.

3º - Os pinguins por aqui são às centenas de milhar. E muito facilmente identificáveis tanto na água pela forma saltitante com que nadam, como em terra. Não se dão ao trabalho de esconder colónias. Na verdade têm muito poucos predadores naturais e como tal limitam-se a escolher o melhor local. Que de resto é identificável a milhas de distância pelo cheiro. A urina... ou a palavra correta será “guano”.

4º - Avistamentos de Baleias de Dorso (espero ser esta a tradução certa de humpback whales) são acontecimentos bastante comuns.  Diários para ser preciso. Por mais de uma vez, devido à curiosidade natural destes mamíferos, e a falta de predadores conhecidos, fomos seguidos por grupos superiores a 20. O mesmo se passou com golfinhos, que desconhecia serem fans de águas tão frias. Frias sim... mas tão frias não.

5º - Existe também o mito do flash verde. Consiste num clarão de tom esverdeado que é suposto ser possível avistar na primeira fracção de segundos ao nascer do sol, ou no último, no ocaso do mesmo.  De todas as vezes que tentei, em nenhuma ocasião se confirmou. Mesmo nas tentativas mais a sul, em que o sol nasce às 02:30 da manhã. Não ouvi também relatos de sucesso nas conversas várias sobre o assunto. Assim, e como na minha primeira linha relembro, mantenho a minha (e só minha) opinião de que é um mito não confirmado.

Por mais fotografias que tenha para vos mostrar, por mais vídeos de pinguins saltitantes, nenhum deles faz justiça ao sentimento que nos atravessa. O deserto gelado, o infindável e imparcial branco, o isolamento total. Esses sim, constituem a minha ideia do sétimo continente. E nenhum deles é suportado em formato digital.


Abreijos