terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A comichão dos sítios

Em meados do ano passado escrevi um texto que nasceu parcialmente de uma leitura breve de Gonçalo Cadilhe. Falava de partidas e do sítio ao qual retornamos no térmido de cada uma. Falava de prespectivas, crescimento, comparação, Viagem. Não das que somam quilómetros, das que somam tempo. 

Um pouco por comparação, hoje falo-vos do inverso. Hoje falo-vos de estagnação. Estagnação por falta de expressão mais feliz, sabendo que fica aquém do que vos quero transmitir. "Estagnação viajante" seria um termo mais oportuno. Mas mais confuso. 

Uso o termo estagnação por medida e molde à água... agita, mata sede, serve o propósito que lhe dermos, e uma vez inútil, estagna. Apodrece. Cheira mal. Intoxica.

O mesmo se passa com alguns pedaços de terra. 

E não será pelas característcas naturais que tenham, pela paisagem que nos ofereçam de bandeja, clima, ou as aventuras que neles tenhamos sem que nada nos seja pedido em troca.

Alguns lugares apodrecem... intoxicam-nos aos poucos e, na grande maioria das (minhas) vezes, nem nos apercebemos. 

Salva-nos a comichão... aquela sensação de prurido  inquieto que nos mantém à procura de algo... que nos faz balançar o peso do corpo de um pé para o outro. Olhar para o relógio mais vezes que as mencionadas da dose diária recomendada... 


A melhor forma de combater o frio continua a ser o movimento.

Atam-se as botas, 
Enfrenta-se a montanha de frente.
Abreijos.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cacilheiro


Passam-se já duas semanas desde a minha última entrada. Aproveito para exercitar a escrita naquele que se tornou o meu fiel e silencioso companheiro deste último período de adaptação.
Ao estilo Veneziano submundista, aceita-me as moedas, não me faz pergunta alguma e carrega-me à outra margem. Olha em frente, não fala. Não quer saber quem sou. 

Agradável despretensiosismo. 
Suave vácuo de julgamento. 

É gentil o bastante para me avisar que nos aproximamos do fim. Abranda-me a caneta às ordens de atracagem. Preferimos os dois que saia nessa altura. 

Mantemos a nossa relação saudável e necessária. 

Cacilheiro

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Escrita



Não foi uma vontade enorme. Não foi um impulso premente ou alguma luz que alumiou a vontade.

Foi antes a moínha. Aquela jeito nas costas, ou o dente que irrita sem doer... foi mais isso que me fez voltar aqui.

A minha ausência, como quase todas as anteriores, foi o melhor que me poderia ter acontecido. É nesses momentos que em regra sou mais produtivo. São esses os períodos de transformação.

É nesse tempo em silêncio público que transmuto e revolto o que dentro me mim está, para o que dentro de vós me quiser receber.

Pensei também, nesta espécie de vale, em encerrar este espaço.
E não o faço porque me assumo pela primeira vez nesta plataforma, Egoísta. O término deste espaço não alteraria a vida de ninguém. Teria um impacto surpreso num ou outro coração mais atento que por aqui tenta saber de mim, e ainda assim já pensando na fasquia de cima.

Mas fazer-me-ia infeliz.

E hoje, no alto da minha curta e suculenta vida, preocupo-me com isso. Na minha felicidade encontro a melhor forma de me relacionar com o mundo e no raio que os meus braços permitirem, torná-lo melhor.

E assim, sem nada de grande para escrever, sem especial estado de Graça ou mensagem, volto a vós. Porque viagens não são apenas as que ajudam à soma de milhas.



"uma pessoa deverá ser egoísta até ao ponto de se esquecer de si"- Agostinho da Silva

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Portuguese Tracks


Nós. 


Indomáveis exploradores de oceanos. Pioneiros em rotas ditas comerciais, ainda que muitas delas tivessem fundamentos mais nobres e espirituais, mas menos convenientes a financiamentos.

Mas isso são histórias para outros blogs. 

Acontece com alguma frequência a bordo de um navio em explorações Antárticas ouvirmos referências a Portugal. Por coincidência ou não, um dos elementos da nossa equipa de expedição nasceu num berço Açoreano. John Fonseca. De cabeça rapada, barba comprida e espírito tão vivo quanto a voz que tem, não se podia parecer muito mais com a minha ideia de marinheiro quinhentista. à parte da pele bem cuidada.

A ideia de Lusos perto de latitudes tão a sul não nos assola à primeira investida. Contudo, com pouca investigação reconhecem-se as nossas cores e influência cultural em países como a Argentina ou o Chile. Recorde-se que Argentina é o país mais a sul da América e tem, em si, a cidade mais sulista do mundo. Ushuaia. Terei oportunidade de escrever sobre esta cidade muito pouco ou nada cosmopolita um pouco mais à frente. 


É também de relembrar que Fernão Magalhães, numa exploração financiada por Carlos V de Espanha para encontrar uma rota por Oeste para as Ilhas Moluccas, terá sido o primeiro navegador a encontrar e atravessar o estreito (agora com o seu nome) que ligava o Atlântico a um oceano tão calmo que baptizado foi, pelo nosso tão Português Fernão, por Pacífico. 

Acontecimentos incontornáveis e desta magnitude incham-nos o peito de orgulho e frustração. Orgulho nas pegadas que deixamos no mundo. Frustração por, em todos os manuais nos quais consegui deitar a mão, o tão nobre e ousado navegador vir descrito como "Ferdinand Magellan".

E assim se chama o estreito. 
Magellan Strait.



Abreijos.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Finally Antactic!

Aviso geral: os próximos recortes são da inteira responsabilidade do escritor. Não deverão ser assim tomados como certos. Tratam-se de apreciações e julgamentos de carácter pessoal. Mas transmissível.

Família, de sangue ou não: sei da minha ausência e do tempo que vos tenho mantido em suspense. Ou na falta de dimensão em sentimento tal tenho-vos mantido, se nada mais, desinformados.
Muito se passou nos últimos dois meses de explorações Antárticas mas pouco que se possa mostrar. É um sentimento inglório mas glorificante. E vivência é intensa e transbordante, como qualquer outro contrato no âmbito do meu ofício. Mas esta rota, tem a especial qualidade de nos manter cheios, mas com pouco que possa servir de mostra, ou prova. 

Ajuda talvez se desmistificar alguns aspetos e perguntas frequentes:

1º -  Não está assim tão frio por esta altura. Raras foram as ocasiões em que a temperatura desceu abaixo dos 0ºC durante o dia, o que é bastante suportável. Existe no entanto o  chamado “Chilling Factor” a ter em conta talvez mais aqui do que em qualquer outro lugar. Esse factor tenta equacionar a diferença entre a temperatura real, e a que nós sentimos, com base em fatores que assim o agravem como o vento e/a humidade.  É um cuidado acrescido mas que nesta temporada não foi razão de danos maiores. Um pouco mais de gelo aqui, uns quantos passageiros mais doentes, mas nada de irreparável.

2º - Não vi absolutamente nenhum Urso branco e felpudo. Esses vivem no Pólo Norte... não no sul.

3º - Os pinguins por aqui são às centenas de milhar. E muito facilmente identificáveis tanto na água pela forma saltitante com que nadam, como em terra. Não se dão ao trabalho de esconder colónias. Na verdade têm muito poucos predadores naturais e como tal limitam-se a escolher o melhor local. Que de resto é identificável a milhas de distância pelo cheiro. A urina... ou a palavra correta será “guano”.

4º - Avistamentos de Baleias de Dorso (espero ser esta a tradução certa de humpback whales) são acontecimentos bastante comuns.  Diários para ser preciso. Por mais de uma vez, devido à curiosidade natural destes mamíferos, e a falta de predadores conhecidos, fomos seguidos por grupos superiores a 20. O mesmo se passou com golfinhos, que desconhecia serem fans de águas tão frias. Frias sim... mas tão frias não.

5º - Existe também o mito do flash verde. Consiste num clarão de tom esverdeado que é suposto ser possível avistar na primeira fracção de segundos ao nascer do sol, ou no último, no ocaso do mesmo.  De todas as vezes que tentei, em nenhuma ocasião se confirmou. Mesmo nas tentativas mais a sul, em que o sol nasce às 02:30 da manhã. Não ouvi também relatos de sucesso nas conversas várias sobre o assunto. Assim, e como na minha primeira linha relembro, mantenho a minha (e só minha) opinião de que é um mito não confirmado.

Por mais fotografias que tenha para vos mostrar, por mais vídeos de pinguins saltitantes, nenhum deles faz justiça ao sentimento que nos atravessa. O deserto gelado, o infindável e imparcial branco, o isolamento total. Esses sim, constituem a minha ideia do sétimo continente. E nenhum deles é suportado em formato digital.


Abreijos

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Boring Seals


In the middle of a conversation about Antactica exploration:  


- I'm not really crazy about seals... 

 - Why not?

 - They have zero personality! ...........   Ba dum Tssssss!!!



...


True story. 

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Of Ice and Men


Desde que a minha geração germinou memória que é assaltada (à mão desarmada mas ainda assim guarnecida) por imagens das calotes polares. Temos gravadas na memória os enormes pedaços de gelo que pelo aquecimento global se separam do grupo central e cedem às correntes que as empurram depois para latitudes menos frias. Há cerca de duas décadas as campanhas de sensibilização foram bem conseguidas.

A massificação da mensagem, todavia, gerou indiferença.

E hoje ninguém está de facto muito preocupado.  Tomamos como um dado adquirido que deveríamos fazer algo contra o avançar da situação. E gastamos 30 segundos a pensar sobre o assunto recostados no nosso sofá, ao lado do aquecedor a óleo. Era o tempo do intervalo do Reality Show.


E a ideia de altruísmo fingido desvanece-se quando a Teresa Guilherme surge no ecrã.


Não me incluo nos exemplos a seguir... sou apenas mais cínico que a maioria pelo tempo que gasto a pensar no assunto.

Que sirvam as linhas acima de introdução. Este post não era suposto ser crítico, mas ganhou vida própria.

Queria dizer menos sucintamente que nos deparámos com o maior Iceberg que espero ver no período que a minha esperança de vida me permitir. Desenganem-se quanto ao aspecto algo coniforme que surge nos filmes.

Imaginem um desfiladeiro, 20 andares de altura, visto do 6º humilde andar do prédio da frente.
Uma Ilha com mais de 3Km de largura e que transporta, uma vez separada da calote central, água suficiente para alimentar a 1 litro por dia, toda a população do mundo por 6 meses....

Ganha uma dimensão diferente quando posto desta forma.



Eu acho.


Abreijos

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Latitudes



Latitude - > 35º 04,91’S
Longitude - > 55º 45,45’W
Temp ->  -2ºC
Hora - > 02:22am




Escrevo-vos na recta final do que foi a minha primeira incursão pela península Antárctica:

Em duas luas chegamos ao fim de uma viagem que completa 23 dias, com início em Valparaíso – Chile,  e que terá Buenos Aires – Argentina como destino final.

É certo que tomei o meu tempo para vos entregar em mãos algum sinal de vida, mas creio que tenha tido razão de ser assim.  O conceito de tempo aqui adopta contornos mais vagos que em latitudes menos severas.

A beleza de cá tem formas eternas. 
A flora não existe. 
A Fauna não tem medo de nós.

Alcança-me a esperança e lacrimejam-me os olhos por saber que vida assim ainda existe. De presenciar  a curiosidade pela nossa presença, ao invés da fuga a que nos habituámos. Nós, destruidores de mundos.

Não aproveitei ainda a oportunidade de sair do navio. Força de outros projectos e ambições, essas passageiras e profissionais. Mas de momento necessárias.

Num outro amanhã.


Cruzem os dedos por mar calmo e bons ventos. Voltarão a saber de mim em breve.

Abreijos

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Latitude - > 35º 04,91’S
Longitude - > 55º 45,45’W
Temp ->  -2ºC
Time- > 02:22am




I write you in the last leg of what it was my very first incursion to the Antarctic Peninsula.

In two moons, we complete a 23 days voyage that started in Valparaíso-Chile having Buenos Aires-Argentina as the final destination.

Took my time to provide any life sign I know, but not without the feeling that it had somehow to be that way.  The very concept of time has a different connotation in these latitudes.

Antarctica’s beauty has eternal shapes. The flora doesn’t exist. The fauna is not afraid of us.

The sole idea that such kind of life still exists fills my lungs with hope. Witnessing   the curiosity in our presence, opposite to the usual runaway from mankind blurs my eyes. For destroyers of worlds we are.

Didn’t take the chance to go outside yet. Professional objectives and personal ambitions have taken the free time to do it. As necessary as brief. But still necessary.

“Maybe Tomorrow”


Fingers crossed for calm seas and good winds. 

sábado, 10 de janeiro de 2015

Silence




"A seeker of silences I am. And what treasure have I found in silences that I may dispense with confidence?"